Deixando os turnos de vigilância da casa de Zita organizados, Pedro já tinha distribuído dois grupos para verificarem os endereços tirados das anotações dela, e agora podia deixar-se estar em casa.
Não dormia a mais de quarenta e oito horas, e a adrenalina já não era reposta. Olhou-se no espelho, tentando recordar as horas depois da declaração da guerra. Tropas de deslocando, refugiados em toda parte, e ele perdendo e recuperando ‘sua’ mulher.
Está feliz por a ter novamente baixo vigilância. Ela era chave para completar o quadro de vermelhos na região.
Ademais, havia a Legião Estrangeira. Ele tivera acesso ao manifesto da Legião meses antes, e era claramente comunista. Ela tinha ajudado a escrever o manifesto, disso tinha certeza. Todavia, não lograra avançar nas investigações nessa direção. A indecisão sobre o papel de Lenoir, o mapa dos membros ativos das organizações vermelhas, lhe haviam tomado o maior tempo. O resultado eram as várias prisões de primeira hora.
No processo de vigiá-la, ele tivera êxito além do esperado, e conseguira promoções a muito desejadas. Sabia de cor e salteado a ofensiva que o governo lançara contra as organizações populares, e tinha intuído que era só a preparação do caminho da guerra.
Deitado na cama, a imagem dela lhe incomoda. Não era bonita, mas... era forte. Tinha o rosto marcado, alguns vincos se aprofundavam, denunciando, muito mais que a idade, os anos de maus tratos. Tinha um cabelo longo, sempre despenteado, quando muito preso num rabo-de-cavalo. Apesar da idade, tinha as pernas fortes, e adorava vê-la subindo escadas, aos saltos, como se voasse.
Ele tinha reconstruído a biografia dela. Sabia das surras que ela tinha levado e das que tinha dado. Sabia das cicatrizes que a marcavam, que faziam a pele imperfeita.
Com o tempo, começara a respeitá-la. Tinha uma inteligência peculiar, era briguenta, fazia amigos e inimigos quase ao mesmo tempo, era teimosa e convicta. Isso não encaixava...
No sonho, os dois se encontravam, num lugar estranho, que parecia uma barriga de baleia.
Despertou com o rádio dando notícias. O sol já estava se pondo. Banho, barba, arma, distintivo.
Segue pra delegacia, recebe a descompostura do chefe pelo problema com Wolf, agradece mentalmente a situação de guerra, que faz a importância das coisas ser relativa, e toma os relatos da guarda da casa de Zita.
A mulher saíra pela tarde. Comprara alguma coisa sem importância, passeara pelo museu, passara na biblioteca central, sacara pouco dinheiro. Nada importante.
Pedro segue para o posto de guarda. Chama o agente que está na campana.
“Quanto tempo de inatividade?”
“Duas horas, senhor”
“Vá pra casa”
Assume a vigilância. Imagina quando ela irá sair, se irá buscar Tornado, se irá encontrar Lenoir... “onde tá esse maldito?”
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