sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Mal-estar na periferia, por Hanif Kureishi

Mal-estar na periferia. ''É só o começo'', avalia escritor


O escritor Hanif Kureishi (foto), conhecedor do mal-estar das periferias, afirma: "Este é só o começo. Agora, a revolta irá contagiar toda a Europa".

A reportagem é de Valeria Fraschetti, publicada no jornal La Repubblica, 09-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

"Esses tumultos nada mais são do que o início de uma temporada de revoltas que irá durar anos e irá contagiar o resto da Europa": palavras de Hanif Kureishi. E é preciso ouvi-lo, porque ele, nascido de pai paquistanês e de mãe inglesa, escritor e dramaturgo britânico entre os mais lidos na Itália, conhece bem o mal-estar que se esconde por trás das violências que explodiram em vários bairros desfavorecidos de Londres.

Ele não ambientou só nos subúrbios pobres e multiétnicos da capital alguns dos seus romances mais célebres, começando pelo Budda delle periferie (Ed. Bompiani). Mas o bairro onde ele vive com sua família, o Shepherd's Bush, em West London, também não é tão diferente do de Tottenham, epicentro das guerrilhas urbanas.

"Há áreas onde muitíssimos jovens andam armados e fazem uso de drogas. Os de 30 anos nunca trabalharam e nunca vão trabalhar, cidadãos britânicos e não imigrantes, que, em geral, são párias de um sistema econômico do qual jamais conseguirão fazer parte" .

Eis a entrevista.

As desordens "não têm nada a ver com a morte do jovem", assassinado pela polícia, como defende o vice-primeiro-ministro Clegg?

Elas brotam de um mal-estar com raízes principalmente econômicas. Não por acaso a raiva foi lançada sobretudo contra as lojas, símbolo do acesso ao bem-estar que lhes é negado.

A partir de quais fatores?

A crise econômica de 2008 atingiu os pobres mais duramente. E os habitantes desses bairros nada mais são do que os mais pobres da sociedade. Eles não pertencem à classe média: jamais se tornarão médicos ou professores. Para muitos, o principal passatempo é o crime; no máximo o rap. Vivem em áreas onde o desemprego está entre os mais altos do país. Além disso, com a consciência de que a sua condição irá se agravar ainda mais nos próximos cinco anos. Era previsível que um pretexto qualquer faria a situação explodir.

Por que precisamente agora? As medidas de austeridade aprovadas pelo governo Cameron estão sendo sentidas?

Certamente, os cortes reduziram os subsídios do desemprego, os centros juvenis e outros serviços sociais. E o desconforto só aumenta.

Como o governo irá controlar isso?

São necessários investimentos, dinheiro, que o governo não tem. Assim como Itália, Grécia, Espanha não têm. Por isso, acho que estamos só no início de um período de forte instabilidade social.

O que une essas revoltas com as de 1985? Naquele tempo, também estouraram durante um período de forte austeridade.

Assim como hoje, os Tory [conservadores] estavam no poder, o desemprego era alto, e a criminalidade generalizada.

Contra a qual o Estado fez muito pouco.

Houve investimentos e progressos, sobretudo com Blair. Mas também é preciso que as comunidades façam a sua parte, erradicando a cultura do fracasso presente. Mas agora é impossível: as pessoas já não têm mais esperança.

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