sábado, 26 de dezembro de 2009

El Chiquillo

- Touro é bicho, menino.

As palavras do pai ficaram gravadas. O sangue do animal no chão, o júbilo pela desgraça do touro, a raiva pelo ataque ao toureiro, tudo estava impregnado na pele.

Logo começou a freqüentar as aulas do ensino fundamental. A escola era linda, e o grupo de amigos era inseparável.

Ele já estava ambientado, e a diversão durante as aulas era colar chicletes no cabelo das meninas. Ninguém descobria o “artista”, já que o máximo que as meninas faziam era chorar baixinho, e a professora apenas olhava com ar de desaprovação.

No intervalo das aulas, o grupo de amigos inventava muitos modos de se divertir. Na segunda semana de aulas, fizeram um corredor polonês na saída do banheiro feminino, e puxavam as saias das meninas dando-lhes trancaços, provocando gritos e choro, e riam das pequenas rodopiando na tentativa de fugir dos golpes e agarrões.

Na terceira semana, descobriram que era prazeroso mostrar o pênis para as meninas e para os meninos mais tímidos. Estes fugiam espavoridos, dando uma indescritível sensação de poder ao grupo de amigos.

Ato contínuo, urinar nas paredes, marcando território, e passaram a se intitular “Os Lobos”.

No segundo mês, o pai e a mãe foram chamados à escola.

- Mas é um menino, faz coisas de meninos pra se divertir – afirma o pai.

- E não feriram ninguém – adjunta a mãe.

Os dois vão pra casa sob a promessa de conversar com o pequeno, rindo-se de suas aventuras escolares.

Um dia um burburinho percorre a sala: um menino negro está sentado ao fundo, na última carteira, de cabeça baixa, olhado com curiosidade e expectativa por todos e todas. O membro de “Os Lobos” resolve que aquele é seu lugar, se aproxima, dá um tapa na mesa e sibila um “se manda”. O garoto negro, sem levantar a cabeça, troca de carteira.

A professora entra, relanceia os olhos, e apresenta Kamau, o colega estrangeiro que acaba de se incorporar à turma. O grupo de amigos abre sorrisinhos e se entreolha.

À saída, Kamau ouve um “Kamaaaaúúúúúúúú´”, como um uivo de lobo, ao voltar a cabeça, uma pelota de papel cheio de saliva lhe acerta o rosto. O grupo se desmancha em gargalhadas, provocando o riso dos que assistem.

O olhar de medo de Kamau, lançado a todos os lados, não tem retribuição em solidariedade. Ele rompe a barreira humana que apreciava o espetáculo formando uma arena, e corre para casa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário