sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

El Niño

OLÉÉÉÉÉÉÉ´!!!!!!!!!!!!!!!! OLÉÉÉÉÉÉÉ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

A multidão berrava em pé, aplaudindo o toureiro.

Este, impecável, aprumado, não mexia o calcanhar uma vírgula. Sorridente, garboso, observava o touro, adiantando cada passo, e prevendo o desfecho. Manejava a muleta, a capa vermelha, empertigado com empáfia diante da imbecilidade taurina.

O espetáculo da tourada estava em sua terceira e última parte, e com as banderillas cravadas no dorso, o touro sangrava aos cântaros. O olhar turvado pela dor, zonzo pelos gritos da torcida, arremetia fracamente contra um balouçante tecido vermelho. Não sentia mais nada que fazer. Em uma arremetida, pisou em falso e tombou no chão, sentindo a dor excruciante das espadas que se enterravam mais na carne.

A torcida delirava. Os que estavam ao sol e os que estavam á sombra se irmanavam no incentivo ao toureador. O sangue que pelo solo marcava os passos do touro enchia de sangue os genitais da cristã platéia, que se regozijava com o sorriso vencedor do toureiro. “Mata! Mata! Mata!” Que lindo espetáculo naquela tarde.

O toureiro caminhava tranqüilo, dava as costas ao touro, que se levantava do tombo. Fazia reverências à torcida. As madames, bem vestidas, com cabelos e unhas bem cuidados, aplaudiam timidamente. Os homens se sentiam representados e satisfeitos com a brava masculinidade na arena, e berravam a plenos pulmões, cheios de alegria. Logo o touro estaria no chão, de joelhos diante do toureador. Um animal, um ser ignorante. É como se diz, “se o boi soubesse a força que tem, não estaria puxando a carroça sob o chicote.” O touro é um animal, ignorante. Não é esperto como os gatos.

O pai, que já estava em pé engrossando o “OLÈ”, passa a exigir a orelha, o troféu do bom toureiro. A multidão, com o sangue nos olhos, endossa. Todos querem as orelhas do touro nas mãos do toureiro. O menino olha fascinado. “Que mundo delicioso!” pensa ele.

Uma senhorita passa em frente à arquibancada, e recebe um tapa na bunda. Apressa o passo, nervosa, ouvindo os risos de satisfação atrás de si. “Muito bem”, diz um desconhecido ao que deu o tapa na moça; o menino também se ri, sabendo que esse é o passaporte para ser aceito no mundo dos adultos.

O momento final se aproxima. O toureiro prepara a espada da morte.

O touro, recuperado um momento, sente dor em cada pedaço de músculo. Olha o entorno hostil. A visão ainda turva.

A arena já sem os banderilleros, tem apenas os dois oponentes: touro e toureiro.

O touro começa os primeiros passos vacilantes. Conforme avança, se desenha uma convicção: há que mudar o alvo. Suas pernas ganham a força de quem sabe para onde ir.

Reúne o último alento e arremete.

Ninguém previra aquilo. Depois do “ÒÒÒÒÒhhhhhhhhhhhhhhhh”, a multidão se cala. Agito na arena, serviços médicos.

Levado para o sacrifício, o touro olha a arquibancada. “Assassino! Assassino!”.

- O que vai acontecer, pai?

- Temos que mostrar quem é que manda filho.

- E o touro?

- Touro é bicho, menino.

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