domingo, 27 de dezembro de 2009

El Chico

Kamau foi o touro na arena escolar nos dois anos que resistiu aos banderilleros.

Foi esquecido apenas por um dia, quando um dos integrantes de “Os Lobos” levou um aerossol com tinta preta, e a diversão foi tintar todas as paredes possíveis com palavrões.

Mas, nas semanas seguintes, o bando descobriu que seria mais divertido ainda deixar “o preto colorido”. Kamau saía correndo das aulas, e chegava em casa aos prantos, tentando esconder da mãe as agressões sofridas.

O Menino, agora um Chico passando dos 10 anos, sabia que a entrada daquele negro estrangeiro em sua turma, no ensino fundamental, foi a certeza de espetáculo sem muitas reclamações. Quase toda a escola se divertia com as touradas armadas por “Os Lobos”.

Kamau no centro do círculo, tentando fugir, e sendo espetado por todos os lados. Alguns outros estudantes, que não andavam com o bando, as vezes se animavam a jogar uma bola de papel ou outros objetos leves na criança alvo. Três estudantes se postavam em pontos estratégicos para avisar a chegada de algum inspetor de pátio. Nunca ninguém era pego.

No começo do segundo ano, o integrante mais velho do grupo de amigos do Chico sugeriu que poderia violentar Kamau. Seria divertido fazer o negro mulherzinha deles e ensinar umas coisas aos menores. Passada a primeira impressão, alguns concordaram. O Chico ponderou que era esquisito.

- Qualé cara, vai amarelá? O moleque é só um preto, mano, num é ninguém - diz um.

- Antigamente até dizium que eles são bicho. Meu avô contô. Eles nem era batizado nem nada, tinha até parte co diabo - diz outro.

Ao final, decidiu não participar, o medo de vomitar na frente dos amigos foi mais forte que a curiosidade em ver que cara o estrangeiro faria. Por muitos imprevistos, os planos para o ataque sexual foram se prolongando por quase todo o ano. Mas a espera dos amigos não era inativa: ao longo dos meses, o corredor polonês, xingamentos, algumas vezes um espancamento.

Até que chegou o dia em que o Mais Velho declarou que estava tudo pronto, tudo certo. O Chico inventou uma desculpa. Na saída, observou os amigos acompanharem Kamau, e quando este tentou fugir, o agarraram e amordaçaram. Os estudantes que viram o que se passava, ou fingiram não ver, ou sabiam do que se tratava e se riam intimamente antes a perspectiva do sofrimento alheio, sentindo que assim compartiam secretamente o poder que o grupo de amigos tinha.

No dia seguinte, Kamau não estava na aula. O grupo se ria e anunciava a bravura. A tortura era relatada em detalhes a quem quisesse ouvir:

- Daí o neguinho começô a chorá!

E uma explosão de gargalhadas se ouvia.

Kamau não estava na sala, nem no pátio. Foi avistado pelos estudantes na rua em frente à escola. “Os Lobos”, avisados, foram ao seu encontro.

- O preto qué mais é?

A arena foi formada. No centro alguns integrantes do bando e Kamau. Os insultos contra o estrangeiro eram cuspidos com prazer, e este não respondia, nem se mexia.

- Num sabe falá, é, desgraçado? Fala alguma coisa aí, pra vê se aprendeu direito nossa língua?

A torcida flutuava na expectativa da surra que Kamau levaria.

- Bate nele, mano.

Foi o suficiente para incentivar o coro “bate, bate, bate”. Os menores se retiraram do círculo, e o Mais Velho olhou Kamau, solitário, do outro lado.

Os olhos de Kamau não falavam de medo. Isso assustou o Mais Velho.

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