domingo, 14 de março de 2010

De crianças e árvores

A imensidão de encinas parecia uma ilusão de óptica. Árvores não muito altas, como se fossem podadas e moldadas por mãos carinhosas faziam um tríptico de galhos a meia altura, deixando um tronco grosso e gracioso como convite ao descanso.
As folhas mui verdes, com uma copa arredondada, chamavam velhas lembranças de figueiras.
O desejo da menina? Saltar do trem e correr pelo bosque de encinas. Aí se repetiam os sinuosos caminhos de água, veias abertas na relva cerrada, e que os pequenos saltavam margem a margem, vencendo o medo de se despencar barranco abaixo.
Sempre que possível, nos finais de semana, sem aula e sem trabalho, se juntavam mais ou menos: Valmir, Janinha, Chiquinho, Gilvane, Claudemir, Marina, Ego, Paraquedas, Rudi, Roberto, os gêmeos da dona Emilia, Anilto, Nenê, quem mais? E no espaço entre as casas da dona Sueli e da dona Pastorina, as aroeiras substituíam as encinas como sombra e colúmpio, e os caminhos profundos de água eram os mesmos.
A relva era o melhor lugar para as partidas de queimada, geralmente os times formados a cada brincadeira se equivaliam, e todo mundo já havia sentido os sabores da derrota e da vitória.
Os corpos infantis que se tornavam fortes e atléticos pelo trabalho no campo e pelos jogos coletivos, fragilizados por uma histórica má alimentação do tempo da cidade, vestindo roupas velhas e de tamanho nem sempre proporcional, corriam, saltavam, subiam nos troncos, desenvolvendo um caráter valente como as árvores cujas raízes não se desprendiam mesmo com as piores borrascas.
Os pezinhos descalços ou mal calçados, com unhas cheias de terra, mais tempo sujos que limpos, sofriam a cada inverno, saindo de madrugada para ir a escola, quebrando gelo das escarchas com chinelinhos havaianas e dedinhos vermelhos de frio. As férias desses pezinhos estava na grama, no pasto verdinho desse pedaço de mundo.
As árvores transmitiam aos pequenos e pequenas a tranqüilidade inquebrantável frente a vento, sol, chuva, indiferença. As vezes vergavam sob o peso de responsabilidades adultas, mas voltavam ao passo ingênuo de criança apenas terminavam de fazer uma bola de sacolas de plástico e meias, enquanto sonhavam com uma “bola de capotão”.
Nesse espaço indescritível de belo, a menina tomou contato por primeira vez com uma das coisas gostosas do mundo: fruta-do-conde. Na verdade na verdade devia ter outro nome, e ela nunca mais encontrou essa frutinha roxa, produzida por uma planta meio rasteira e com folhas urticantes. Uma neta da dona Pastorina lhe disse que era fruta-do-conde. Não, não era amora.
A falta de tudo transformava o coletivo infantil em exploradores, e reinavam naquele trecho de pastagem. Os brinquedos que tinham eram os que fabricavam com materiais recolhidos em qualquer parte: sabugos, lascas de lenha, terra, sementes. Manejavam facões e machados como adultos.
A falta de tudo os fazia iguais, e tudo que tinham era de todos e todas.

El parque de las encinas se quedava lejos, y la mujer volvia los ojos al ordenador, revisando la clase que daria luego a la noche, imaginando que pasaria si no llegara a la Universidad de Extremadura, si se perdiera entre los arboles...

Nenhum comentário:

Postar um comentário