terça-feira, 1 de junho de 2010

26. Sobre como Marcia recupera Tornado

Marcia não saíra de casa. Devia ter ido ao trabalho pela tarde, e então já tinha chegado a noticia da declaração da guerra.
Era secretária em uma grande empresa, e tentava ajudar no que era possível. Conhecera o grupo através de Guilhermo, com quem mantinha uma relação amorosa supostamente secreta, mas da qual praticamente todos e todas sabiam.
Não tinha nenhum apreço especial pelo trabalho que fazia, mas, sabia que dependiam dele para sobreviver. Claro que preferia viver como seu amante, de reunião em reunião, organizando gente, lendo, com liberdade intelectual, entre companheiros e sem chefe. Mas, a sobrevivencia apresenta contas, e ela pagava não só as próprias, nem só as de Guilhermo - as vezes pagava também contas de outras pessoas das organizações sociais.

Nem todos confiavam nela. "burguesinha, não qué dexá essa vida...", dizia alguém; mas, quando faltava o pagamento da gráfica, da passagem, da comida, ela era das primeiras a ser procurada para contribuir.

"Faz um galope por mim", essa tinha sido a frase do início da amizade entre elas, as duas eram apaixonadas por cavalos, e Marcia tinha a oportunidade de praticar equitação com certa frequência, coisa que a mulher não podia. Começaram trocando histórias de cavalgadas, e seguiram, até confiarem totalmente uma na outra, trocando segredos em casa de Zita. Por brincadeira, começaram a chamar o lugar de 'basezita', pequena base.
Uma ajudava a fazer bons documentos, traduzia. Outra ajudava a formação política. As três queriam a felicidade, fosse como fosse.

Tinha passado o dia pensando no que fazer. Manter a vida como se nada estivesse acontecendo? As brigas com Guilhermo, que não queria que ela se aproximasse mais da organização. As conversas com a mulher e com Zita, sobre as tarefas que podia desenvolver.
Um dia depois de tudo ter começado, sem notícias de Guilhermo, enfim, chega um recado. A ligação de Zita, o bilhete do menino. O endereço ela conhecia, e já imagina o que é.

Veste uma roupa velha, pega o carro, se dirige ao haras abandonado, onde estava Tornado.

Olha os cavalos, não estão bem, mas, é o que há. Escolhe quatro, mais Tornado, que se destaca pela saúde, passa uma corda em cada um, monta no cavalo da mulher, e sai no meio da tarde, deixando atrás de si o lugar ermo.

Alguns vizinhos olham a tropinha que segue. Ela escolhe a rota, um caminho asfaltado, e lá se vão os cinco cavalos, toctoctoc, caminhando devagar.
Depois de três horas, chegam ao destino, ao norte. Ela apeia, abraça o velho Pepe, dono do sítio, entrega Tornado e mais três, explicando as orientações que tinha recebido. Deixar os cavalos que a mulher e mais alguém virão buscar.
Pepe serve queijo e suco, ela come, monta do cavalo que tinha separado pra volta, e escolhe um caminho de terra; a todo galope, volta onde tinha deixado o carro.

"pronto, índia véia, tudo pronto"

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