quarta-feira, 2 de junho de 2010

27. Da utilizade dos telhados

Dormira poucas horas, mas, as preocupações a despertaram pronto. Banho, café, noticiário. Se veste e parte pra curtir seu último dia.

Gasta pouco, economizando as moedas. Passa no museo, não necessariamente pelas obras, mas, pelas lembranças de outros dias. Passa na biblioteca, onde tem um débito, e caminha vagarosamente entre as estantes; apenas uma bibliotecária estava trabalhando.
"E os outros?"
"Nos deixaram ponto facultativo hoje... acho que logo vão fechar as biblioteca..."

Pára em frente aos tomos de Michel Zevaco. Corre os dedos pela lombada dos livros, conservando o carinho infantil, "gracias", pensa, uma lágrima insiste e corre pelo rosto. Ela seca, sorridente, feliz por ter tido bibliotecas públicas em sua história.

A bibliotecária vai falar com a única pessoa que entrara na biblioteca durante o dia.
"Se você quiser levar alguma coisa hoje, pode levar, eu não registro, depois você traz..."
"Obrigada, quero sim."
Escolhe "Deuses Americanos", de Neil Gaiman. Já o havia lido, mas, era um símbolo de um período feliz em sua vida; e sabia que dificilmente iria devolver à biblioteca. Essa possibilidade a faz trocar de livro, não pode estar carregando esse... tira da estante "Fumaça e Espelhos", a bibliotecária assente, e ela sai, algo contente, apertando o livro no peito.

Volta pra casa de Zita, e espera. Escreve cartas, pensa nas pessoas amadas, toma café. Faz anotações "prá lembrar", como dizia.
Zita chega. Preparam comida, arrumam uma sacola.
"viu o agente?"
"não vi... tava onde?"
"tentando ficar na sombra... lá na frente. Fique atenta, pode ter mais"
"teve notícias?"
"Wolf está a salvo... e só"

Comem em silêncio. Sofrem cada uma à sua maneira.
"eu só precisava saber se estão vivos..."

Se abraçam, há muito que dizer, mas, faltam palavras.
"promete que vai sair daqui?"
"não"
"você sabe que virão atrás de ti"
"não tem problema", Zita tenta sorrir confiante, escondendo o medo.
"minha irmã, obrigada por tudo. Te amo. Quem sabe tomamos uma cerveja daqui uns dias, já no processo socialista?"
"vai em paz, filha, também amo você."
Zita olha a mulher saltando a janela, caminhando sobre o telhado vizinho. Esperava que as estruturas estivessem iguais aos dias em que a mulher e Marcia andavam por alí, brincando e testando as saídas da 'basezita'.

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