quinta-feira, 10 de junho de 2010

32. Sobre Abdul al-Aziz Ben Du'an

Muito cedo na madrugada, ela desperta, sentindo a respiração irregular de Wolf em seu ouvido. Havia dormido muito pouco, mas, tinha que partir.
A proximidade de Wolf, o desejo dele, a fizeram também desejá-lo, mas, "uma pena que já não podemos...", pensa enquanto beija a face do amigo.

Prepara mate e café. Leva a xícara fumegante para Álvaro, que resiste em deixar o rádio amador. Ele a olha interrogativo,
"chegou uma mensagem, pra você..."
Os olhos dela se iluminam...
"que sejam boas notícias!"
"não sei, só diz - 'todo o ministério da crise está bem e atuante' - o que é isso?"
"Bu!", pensa ela, e responde, "uma das equipes... minha família... e...", ela não prossegue, mas, o sorriso não esconde a felicidade com tão pequena nota.
"como precisamos de poco pra ter felicidade, né?", participa Álvaro, sorrindo enquanto sorvia o café.

Abdul al-Aziz Ben Du'an era um palestino, educado e crescido na luta. Para ela, apenas Bu, apelido carinhoso que ele detestava. Ao vê-la, o primeiro pensamento dele havia sido "que linda, pra uma ocidental", mas, o que o havia seduzido era a firmeza da mulher, ainda bastante jovem. A ela, encantou a profundidade do olhar dele, e o sorriso, entre preocupado e divertido.
Conheceram-se em uma tarefa comum, e logo a afinidade política os uniu.

Abdul sabia muito sobre tática e estrategia militar. O fato de ter crescido mudando de lugar em lugar, em um mundo pequeno e poliglota, lhe deu habilidade em aprender línguas, e se divertia com a dificuldade que ela tinha em pronunciar qualquer palavra de seu idioma.
Contribuindo ativamente com a Internacional, especialmente em regiões de conflito deflagrado, Bu viaja muito. Ela, comprometida com sua organização, não o acompanhava.
"eu não tenho a bagagem que você tem para essa tarefa, e não vou ir atrás de ti, se minha organização me necessita..."
Seguiram anos juntos, com as notícias das amantes de Bu não sendo suficientes para arrefecer a paixão dos dois.
Até que ela passou a executar tarefas que exigiam viajar muito mais, e começou a desejar um filho.
Abdul começou a se afastar. A tratava carinhosamente, mas, o medo de que ela engravidasse, como desejava, o fazia evitar o sexo.
Com as viagens frequentes dela, começou a imaginar que poderia estar se encontrando com outros homens, e as críticas ao trabalho dela passaram a ser contínuas e públicas. Mais de uma dúzia de vezes, em corredores ou mesas de bar, tinha visto os olhos dela nublarem com coisas que dizia sobre o trabalho político que ela levava.
Ela olhava o espelho e se perguntava por quê devia suportar aquilo.

Até que ele juntou algumas coisas e partiu. E nunca mais falou com ela.

Agora, mandava a pequena mensagem, que sabia que ela entenderia. Assim, de certa forma, mantinha a distância.
Wolf senta-se ao lado dela, e recebe a cuia de mate. Eles se olham intensamente, de mãos dadas. Álvaro os deixa, compartindo a dor.

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