segunda-feira, 17 de maio de 2010

13. De uma viagem empreendida

Saindo do edifício, deixa pra trás todas as dores dos últimos anos.
Corre à estação, "um billete no proximo trem para..."
"Não há trem, moço, só amanhã"

Um leve desespero lhe entra no coração. A cidade está em pânico. Tenta em cada telefone público algum sinal, mas, nada, nada funciona. Há dias o celular está cortado por falta de pagamento.

Resoluto, caminha para a rodovia, na esperança de uma carona. Depois de duas horas de caminhada, um caminhã pára, está cheio de pessoas na carroceria.
Feliz, joga a mochila e salta, acomodando-se no assoalho.

"Vai pra onde?" "Quero ir pro sul..." "Tem familia lá?" "Sim..."
Se reconforta por ter ligado na noite anterior. A voz dela, decidida, está na memória.
No último encontro, lhe havia dito coisas que não queria dizer. Achava que precisava se afastar, queria de certa forma provar a si mesmo que tipo de sentimento tinha por aquela mulher. A dor que sentira ao não beijar-lhe a boca na despedida dizia tudo. A desejava, tanto quanto a revolução. Precisava dela, tanto quanto lutar todos os dias da vida.

Mas, não se atrevia a dizer-lhe. E se ela não correspondesse? Uma coisa eram as brincadeiras de escrever no caderninho "a ser entregue", outra, era falar sério com ela.
A liberdade, a independencia, a firmeza com que ela se movia no mundo, o assustavam. Tinha medo de se declarar, de lhe dizer em palavras de todo o amor que sentia, e ser rechaçado.

Agora seguia em um caminhão, com pouca comida, com quase nada de dinheiro, tentando chegar onde ela estava. "E se aconteceu algo com ela?..." O coração se aperta, a saudade e a falta fazem brotar uma lágrima.

O caminhão, já quase lotado, era um dos meios dos deslocamentos em massa que começaram. As pessoas das cidades atacadas fugiam pro campo, pras cidades pequenas, pois sabiam que as grandes cidades era alvos certos.
No caminho, mais algumas pessoas foram alçadas á carroceria. Uma poeira cobria todas e todos, e compartiam o assoalho e o vento no rosto.

Ele fecha os olhos, apóia a cabeça nos joelhos, lembra da boca dela. O sol que já começa a aquecer, traz lembranças gostosas de horas de lagartear. Refugiando-se no pensamento do carinho dela, ele entra num estado de semidormência, despertando de vez em quando a olhar onde estão.
O motorista vai tomando estradas secundárias, e aumentando o pó sobre o grupo. As horas trazem fome, e algumas pessoas mordem algum alimento, e partilham água.

As cãimbras o fizeram viajar as vezes de pé, as vezes tentando caminhar entre as pessoas, as vezes voltando a sentar-se. Várias mulheres com crianças, e umas crianças com olhos de fome; todos os biscoitos que tinha acabaram distribuídos. Quando o sol ia se pondo, bebe a cerveja quente, "se ela estivesse aqui, iríamos rir, apesar de tudo...", a capacidade que ela tinha de cultivar a alegria lhe encantava, as vezes mudava de humor de repente, mas, ainda de momentos de raiva ou tristeza, ela sacava um sorriso.

Quando a noite caía, os viajantes dormindo apoiados uns nos outros, o caminhão enfim foi parado numa barreira. Ao ver a marcha sendo reduzida, e as luzes adiante, com vários soldados, ele salta do caminhão, ainda em movimento, e corre o mais abaixado que pode em direção ao mato na margem da estrada. O capim lhe corta os braços, enquanto tenta passar despercebido.

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