segunda-feira, 24 de maio de 2010

18. Sobre a delegacia

Direto pra delegacia, sem nenhuma pergunta.
"Tá vivo, né?", "Tá, tá se mexendo".
Chega o delegado.
"Que merda vocêis fizero? puta merda, seus idiota"

Os policiais se olham, sem entender. "Senhor, o elemento tava correndo na rua, e não parou..."
"Vocêis sabem quem é ele? Sabem? Putamerda, que problema... seus idiota, idiota!"
O delegado anda de um lado pra outro, olhando a figura de Wolf no chão, sangrando, um olho inchado.

Antes da chegada do delegado, esperando o amanhecer, os soldados haviam colocado Wolf no corredor de celas dos ultimos que haviam sido presos. Alí estavam Guilhermo e John, nas celas em frente e ao lado. John não podia falar, com dentes quebrados e a boca muito machucada, escrevia algumas palavras com água no chão, e um colega de cela ia lendo. Guilhermo estava em melhores condições físicas.
Falando baixinho, passando notícias de boca em boca, trocaram informações. Quem estava a salvo por enquanto, que encaminhamentos haviam sido tomados, que sugestões cada qual tinha.

Tentando superar as dores, Wolf faz um registro mental de quantos estão alí, quem são, e as idéias dos companheiros. Nunca havia estado numa delegacia. E essa primeira vez estava sendo extremamente dolorosa.

Os presos políticos estavam sendo conduzidos à essa delegacia, o Centro de Inteligência. Imaginava-se que logo iriam levar todos a penitenciárias. Mas, com a situação da guerra...
A tortura havia sido usada livremente desde o primeiro minuto. Todos os presos que alí estavam eram militantes conhecidos; se organizar o povo passa a ser crime, eram todos implicados.

Nos últimos anos, a desigualdade de distribuição de riqueza aumentava mais rapidamente. O mundo tinha tecnologia para diminuir a carga de trabalho de cada pessoa em 80%, e produção suficiente para promover um bem viver em cada cantinho do planeta.
Ainda assim, as taxas de desemprego cresciam, alimentos estragavam em armazéns ou no campo, as terras, a água e a produção de alimentos estavam em mãos de quatro empresas transnacionais.
Doenças da fome se espalhavam, junto com a violência. Um guarda de um bairro rico matou duas mulheres que reviravam o lixo no portão de entrada; milhares de pessoas tomaram o bairro, destruíram as casas e levaram toda a comida; a polícia reprimiu e matou 60 pessoas.
Diversos outros casos se repetiam. A polícia cada vez mais armada, mostrava presença. Os países enriquecidos fecharam as fronteiras para o povo que haviam espoliado durante séculos. Nenhuma negra ou negro entrava na Europa ou Estados Unidos e Canadá.

Os movimentos organizados estavam conseguindo importantes avanços. Lograram construir uma articulação mundial, onde se incluíam governos não submissos. Era assim que caminhavam para o fortalecimento da soberania alimentar em seus países, travando duras lutas contra as empresas transnacionais, e os governos que as serviam.
O poder de ter armas nucleares, desenvolvidas com tecnologia própria, foi o fator que determinou a declaração de guerra. Os países historicamente enriquecidos sobre o sangue dos empobrecidos, cansaram de tentar derrubar Fidel, Evo e Chavez, cansaram de tentar puxar Lula e Hu Jintao definitivamente para seus projetos. A diplomacia não resolvia tudo de modo satisfatório.

Enquanto a guerra aberta era travada, dois movimentos seriam feitos: acabar com as organizações populares nos países da Aliança para a Paz e o Progresso - EUA e União Europeia, basicamente, e aumentar a infiltração e a ação nos países rebelados - América Latina, Africa e Asia.
A propaganda estava sendo veiculada subliminarmente a algum tempo, convencendo as pessoas de que qualquer estrangeiro era uma ameaça, e que os problemas do povo latino, africano ou asiático não eram os mesmos do povo norteamericano ou europeu.
Com o tema do subsídio agricola, tentaram quebrar a aliança que já existia entre campesinos e campesinas de todo o mundo. Com o tema da fome e do desemprego, tentaram convencer de que o problema eram os migrantes, em especial os negros.

Emergido brutalmente dessas reflexões, Wolf foi levado para uma sala da delegacia, deixado no chão, à espera do delegado, que agora o rodeava nervosamente. O ferimento da bala voltara a sangrar.
"que vamo fazê com ele, seu delegado?"

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