quarta-feira, 26 de maio de 2010

21. Da reintegração de Wolf

“Melhor não esperar o velho chegar aqui pessoalmente.”
Wolf se rendera ao cansaço, e ainda jazia inerte no chão da sala do delegado.
“Dêem uma ajeitada nele, e façam como mandei. Sem erros!”

Dois soldados o levam ao banho, limpam um pouco do sangue, e carregam num carro civil. Rodam até um hospital mais distante, o deixam nas proximidades e partem.

O sangramento havia parado, e a limpeza parcial feita pelos policiais não lhe quitara o horrível aspecto. Logo foi recolhido por dois trabalhadores que, obrigados á voltar à normalidade, se dirigiam ao trabalho em hora inusual.

A cidade voltava ao movimento. Comercio reabria, todos os serviços funcionavam. Havia restrições no uso da internet e telefone, mas, nada que afetasse o “cidadão normal”. Algumas notícias sobre prisões de elementos perigosos, que trabalhavam para os “maus”. Parte da população de acordo, guerra é guerra e não se pode perdoar quem seja leal ao inimigo.

Uma pequena parte do povo estava convencida de que a guerra era o melhor, assim iam se livrar de vez do risco de pobreza que o Sul representava. Aquele quadro de miséria incomodava, especialmente porque o Norte parecia caminhar justo nesse sentido, com perdas de direitos trabalhistas e aumento da fome e da violência.

“Tem que acabá com esses pobre”, se ouvia em algum canto. O desejo inerente de acabar com a pobreza, bem orientado pela mídia interessada em manter o status quo, se tornava o desejo de acabar com as pessoas.

Wolf foi examinado superficialmente pelos plantonistas, e levado ao quarto para atendimento adequado, assim que descobriram o cartão de visitas do avô, deixado pelo delegado em seu bolso.

Ele aproveitou para dormir. Despertou sob o olhar acusador de Joana, quando o sol já passava do meio do céu. “Preciso voltar ao porão”, o primeiro pensamento.

Ademais de um respeitado professor universitário, ele tinha um avô em um alto cargo militar, distante o suficiente para não brigar diariamente, perto o suficiente pra tirá-lo da cadeia e depor em favor de sua lealdade ao eixo do PP (Paz e Progresso).
Sua ficha policial não existia, nunca havia sido nem mesmo multado por nada, nem pelas bibliotecas.

O único vínculo que poderia ser conhecido era seu amor por ela.

Joana lhe pergunta alguma coisa, que ele não ouve. O corpo não dói, entorpecido pelos medicamentos. Quando Joana pára de falar, abre os olhos, ela está saindo do quarto, dando passo ao avô.

“Que fazia correndo na madrugada? “
o semblante feroz, que sempre tinha metido medo, está bem perto. Como quando, poucas vezes, estivera sentado no colo daquele homem que parecia tão distante.
“A vó tinha me chamado...” balbucia.
“Que vó?”
Ele conta a história. O velho militar, viúvo, liga para a mulher, que confirma tudo. Ela estava mal, a guerra devia ter lhe afetado os nervos, e chamara Wolf, que era o único neto que tinha, porque achou que ia morrer. Pedia desculpas pelos incômodos.
“Incômodos???? berra o avô, Ele quase morreu!!! e você vem falar de ‘incômodos’??”

Wolf senta na cama, começa a se vestir.
“Onde vai?”
“Tenho que ir...”
O avô olha o neto detidamente.
“Você não pode sair. Comigo aqui você não sai, precisa se tratar; e esse ferimento, tá bem medicado? Te falaram o que deve usar pra terminar de curar? Deite-se e seja cuidadoso como deve ser um homem”.

O neto não se deita, olha os olhos do avô com suavidade.
“Preciso ir.”
O velho dá meia volta,
“Vou pedir proteção pra você, mandarão um soldado ficar na sua porta, os canalhas que fizeram isso contigo podem voltar, e em tempos de guerra, melhor prevenir”, e sai fechando a porta.

Recobrando força, verifica os curativos, termina de vestir-se, e sai do quarto o mais firmemente que pode, antes que algum soldado apareça.

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