quarta-feira, 19 de maio de 2010

15. Um lobo na história

"complicada e perfeitinha, você me apareceu..." cantarola Wolf, seguindo a mulher. Sente uma mistura de raiva e carinho; a conhece, e sabe que se saiu do porão, é porque realmente precisava.

As vezes não conseguia acompanhar seu raciocínio, mas, confiava na intuição ou razão dela. Tinha alguns anos a mais, e bastante experiência, e ainda assim, ele se sentia especial perto dela. Era uma ouvinte capaz de integrar todas as pessoas.

Há tempos, ela o havia supreendido, lhe dizendo sem rodeios que nutria sentimentos amorosos por ele. Nunca tinha imaginado que ela pudesse se interessar por ele, que então era quase um menino. Ele, preocupado com a imagem perante a família e amigos, lhe tinha proposto amizade, e casou-se com uma moça de seu círculo.

Continuaram amigos, e aprendeu muito. Seguiu a carreira universitária, e numa parceria divertida construiu com ela estratégias de despitar a polícia, nos tempos mais tranquilos. Nunca aparecia publicamente como vinculado aos movimentos, e ela e outros companheiros e companheiras haviam sofrido no lugar dele a repressão.
Muitas vezes lhe doía não poder se declarar público a que lugar político pertencia. Lhe custava manter a imagem de professor universitário neutro.
E muitas vezes ela o havia animado, com as avaliações dos resultados dessa prática. Ele era a pessoa mais livre do grupo, e podia dar suporte a todas e todos nos momentos mais críticos. Mais além, ele era a voz mais ouvida na opinião pública, justamente por não pertencer a nenhum grupo publicamente.

Um dia, na casa dela, se divertindo em construir pistas falsas, deu-se conta da paixão. Não sabia como nem por quê. Ela estava com suas velhas calças de moleton, grandes demais, que lhe caíam tão mal, com uma camiseta surrada, preparando petiscos, quando ele se percebeu desejando-a. Ela, tão desengonçada...

Quis abraçá-la, mas, reprimiu qualquer expressão. Nunca mais a olhou apenas como amiga, e os defeitos dela lhe pareceram ainda mais perdoáveis.

Até que John lhe contou, muito naturalmente, que ela e Lenoir haviam dormido juntos. Seu coração ficou meio paralizado, e começou a se arrepender de não ter tomado nenhuma atitude. "maldito Lenoir...", mas, era seu amigo.
Na madrugada anterior, ao receber o aviso dos ataques, pois que não estava sob vigilancia como os demais e seu telefone funcionava, o primeiro pensamento era se ela estava livre e viva. Decidiu na hora que se declararia a ela, a beijaria, viveria com ela até morrer, custasse o que custasse. Desejou ir ao encontro dela, mas, sabia que era impossível.
Quando ouviu a voz dela na porta do porão, não pensou se Clara alí estava ou não: a tomou nos braços e lhe despejou tudo que sentia. E ela lhe perguntara por Lenoir...

Agora a seguia, querendo protegê-la. Percebeu que o parque estava vigiado. Ou iriam prendê-la, ou iriam segui-la. Decidiu arriscar: ou iriam deixá-lo ir, acreditando em sua história, ou iriam prendê-lo, e tentaria descobrir quem mais estava preso, aproveitando a vantagem de sua posição social para comunicar com os de fora.

Passa por ela, sussurra que fique quieta, e corre pela rua. Ignora os gritos dos soldados, tentando atraí-los para si. Não imaginava que iriam atirar tão cedo; ouve o estampido ao mesmo tempo que sente a dor, vai ao chão, tenta se levantar, "fique onde está, querida...", logo é cercado, três soldados o espancam enquanto perguntam coisas que ele não entende. É levantado e consegue caminhar entre o grupo fardado, tentando ver o que se passava com ela.

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