terça-feira, 25 de maio de 2010

20. De como se caminha na noite

Ele cai rolando no meio do capinzal, mas sem conseguir evitar a machucadura no tornozelo. Se levanta cambaleante, respirando com atenção a ver se há costelas partidas, avança pelo mato baixo, e se interna entre o arvoredo.

Ocupados com o trânsito, ninguém nota o homem se afastando.

Logo faz um bastão, e segue devagar, atento a qualquer movimento ao seu redor. Vai de árvore em árvore, no bosque de pinheiros, ofegando pela dificuldade em pisar no solo. "que merda, me machucar justo agora..."
Aproveita a escuridão e caminha, tentando não perder a referência da estrada.

Lenoir se sentia meio perdido, não tinha certeza de o que deveria fazer. A única coisa que sabia era que a amava, e que para sua sensível fragilidade, ela era o porto seguro. Muitas vezes ela era mimada, aparentava fraqueza, mas, ela sempre era capaz de tomar as decisões que para ele custavam tanto. Ela era parada dura quando se tratava de encarar qualquer dor, "dexa pra mim", ela havia dito quando ele ponderava sobre a dor que ia causar em outra pessoa, "dexa comigo, eu seguro a onda". Isso também o irritava as vezes, a segurança com que ela passeava entre os problemas, o desdém que aparentava pela dor, o jeito como desafiava a vida.

Agora, ia tentar chegar até onde imaginava que ela estaria. "Muitos quilômetros...", nem pensara em procurar o comitê da Internacional em sua cidade, agora é que lhe ocorria que o lugar de reuniões devia estar destroçado nesse momento; os companheiros e companheiras não lhe preocupavam, "bando de 'pijos', maleducados, sempre me trataro tão mal... gente maleducada...". No aspecto pessoal, havia comido o pão que o diabo amassou entre aquela gente, cheia de dinheiro e frialdade. Não estava entre os seus, não eram sua gente.

O que o havia prendido alí tanto tempo era o saber-se especial, tinha experiencia de vida muito muito distinta da gente do lugar. Seus anos de militância e a clareza política lhe haviam levado a mudar de cidade, e o romantismo revolucionário o haviam aproximado de uma mulher do lugar. Logo, a realidade trouxe seus defeitos e fraquezas ao cotidiano, apagando a chama apaixonada que os tinha unido. O ideal romântico-estudantil se esborracha frente ao rochedo das dificuldades. O que era gracioso passa a incomodar, e sem profundidade política nem afinidade pessoal, tanto a relação amorosa quanto as relações pessoais com as outras pessoas foi se tornando um inferno.

Agora, caminhando na noite, entre o bosque de coníferas, tenta lembrar o que poderia comer. "Ela saberia...", a mulher que deseja encontrar tinha experiência de campo, e pelo cheiro e pelo sabor, poderia dizer que plantas poderiam ser consumidas.
Sentindo a falta física dela, e imaginando que já alcançara uma zona relativamente segura, se acosta a uma árvore, e fecha os olhos, sonhando com ela.

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