sábado, 8 de maio de 2010

6. Do homem que segue em seu trabalho

Ela sai da porta já começando a pedalar, e ele se sobressalta, correndo até o carro.

Devagar, vai antecipando as ruas que ela toma. Pára na lixeira e recolhe o pacote. "muito obrigado, moça, tolinha".

Ele sabe pra onde ela vai. O telefone dela está bloqueado. As detenções já haviam começado, John foi dos primeiros, pego quando voltava pra casa na madrugada. Alguns estavam livres ainda, porque tinham acesso a outros, ainda desconhecidos. Ele sabia que era só uma questão de tempo até pegarem todos os vermelhos, "e as vermelhas..." pensa ele, fazendo uma caricatura da voz da mulher que estava seguindo.

Olha ela sendo parada na primeira barreira, "não façam bobagem, idiotas". Aliviado, assiste ela seguir com a bicicleta.
Quando lhe fora dada a tarefa de seguir uma mulher, se sentira despreciado. "com minha formação e minha experiencia, com todo respeito, senhor..."

Com o tempo, foi se acostumando a idéia, e conhecendo a moça. Havia estudado seus prontuários médicos, seus históricos acadêmicos, todas as atividades subversivas que ela já tinha feito na vida. Mas, ultimamente ela estava na dela, "aparentemente...", não esquecia a reprimenda que havia recebido, por não dar muita importância ao homem que a vinha encontrando.

"idiota! você acha que é só ela que queremos?"
"senhor, não..."
O rapaz vinha, eles iam ao cinema, ao mercado, ao bar, ... ele até buscou a ficha do cara, mas, era só um artista mal empregado... ledo engano.
As conversas dos dois eram tão idotas como as de quaisquer outros enamorados: Nietzsche, Goethe, Vinicius, filmes, palavras melosas... as vezes, ouvia atentamente quando faziam amor, e fechava os olhos, imaginando ela...
Isso ele nunca revelou a ninguém, sabia que seria afastado se houvesse a mínima suspeita.

Chegou à compreensão de quem eram os dois. Mas, o homem sempre lhe escapava. Quando ela o acompanhava ao aeroporto, ao terminal, aonde fosse, dava um jeito de que ele desaparecesse das vistas do vigilante.
Começou a odiar o homem. Olhava os dois rindo pela rua, e tinha ganas de humilhar ele, "vou quebrar o teu pescoço, fdp". Agora, esse sonho poderia se tornar realidade. Só precisava que ela se encontrasse com ele, e poderia intervenir.

Estranha quando a mulher abandona a bicicleta, pula a cerca e segue a pé pelo campo. Reduz ainda mais a marcha do carro, e observa. Vê ela com o cavalo; pelo retrovisor, vê os dois saltando a cerca.
"mas que porra é essa..." Isso ele não tinha previsto.

Ela passa a galope, lhe lança um olhar triunfante, e segue o caminho, o cabelo abanando ao vento. "maldição"...

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