quarta-feira, 26 de maio de 2010

22. Do descanso de Pedro

Deixando os turnos de vigilância da casa de Zita organizados, Pedro já tinha distribuído dois grupos para verificarem os endereços tirados das anotações dela, e agora podia deixar-se estar em casa.

Não dormia a mais de quarenta e oito horas, e a adrenalina já não era reposta. Olhou-se no espelho, tentando recordar as horas depois da declaração da guerra. Tropas de deslocando, refugiados em toda parte, e ele perdendo e recuperando ‘sua’ mulher.

Está feliz por a ter novamente baixo vigilância. Ela era chave para completar o quadro de vermelhos na região.

Ademais, havia a Legião Estrangeira. Ele tivera acesso ao manifesto da Legião meses antes, e era claramente comunista. Ela tinha ajudado a escrever o manifesto, disso tinha certeza. Todavia, não lograra avançar nas investigações nessa direção. A indecisão sobre o papel de Lenoir, o mapa dos membros ativos das organizações vermelhas, lhe haviam tomado o maior tempo. O resultado eram as várias prisões de primeira hora.

No processo de vigiá-la, ele tivera êxito além do esperado, e conseguira promoções a muito desejadas. Sabia de cor e salteado a ofensiva que o governo lançara contra as organizações populares, e tinha intuído que era só a preparação do caminho da guerra.

Deitado na cama, a imagem dela lhe incomoda. Não era bonita, mas... era forte. Tinha o rosto marcado, alguns vincos se aprofundavam, denunciando, muito mais que a idade, os anos de maus tratos. Tinha um cabelo longo, sempre despenteado, quando muito preso num rabo-de-cavalo. Apesar da idade, tinha as pernas fortes, e adorava vê-la subindo escadas, aos saltos, como se voasse.
Ele tinha reconstruído a biografia dela. Sabia das surras que ela tinha levado e das que tinha dado. Sabia das cicatrizes que a marcavam, que faziam a pele imperfeita.

Com o tempo, começara a respeitá-la. Tinha uma inteligência peculiar, era briguenta, fazia amigos e inimigos quase ao mesmo tempo, era teimosa e convicta. Isso não encaixava...
No sonho, os dois se encontravam, num lugar estranho, que parecia uma barriga de baleia.

Despertou com o rádio dando notícias. O sol já estava se pondo. Banho, barba, arma, distintivo.
Segue pra delegacia, recebe a descompostura do chefe pelo problema com Wolf, agradece mentalmente a situação de guerra, que faz a importância das coisas ser relativa, e toma os relatos da guarda da casa de Zita.

A mulher saíra pela tarde. Comprara alguma coisa sem importância, passeara pelo museu, passara na biblioteca central, sacara pouco dinheiro. Nada importante.

Pedro segue para o posto de guarda. Chama o agente que está na campana.
“Quanto tempo de inatividade?”
“Duas horas, senhor”
“Vá pra casa”

Assume a vigilância. Imagina quando ela irá sair, se irá buscar Tornado, se irá encontrar Lenoir... “onde tá esse maldito?”

Nenhum comentário:

Postar um comentário